* Beto Colombo
Querido leitor, em 2007 fiz o Caminho de Santiago, trilha mística de 800 quilômetros que percorri durante 30 dias. Durante este tempo, encontrei muita gente que entrou em meu caminho e saiu. Foram homens, mulheres, jovens de todos os lugares que se possa imaginar. Três deles, quero mencionar em nossa fala de hoje. Falo de três jovens senhores poloneses: Carol, Heiko e Waclaw. Durante pelo menos 15 dias, sempre me deparei com eles, às vezes caminhando, às vezes no refúgio. Em uma ocasião, inclusive, tomei com um deles, Carol, uma garrafa de vinho em um copo plástico de iogurte, pois não encontramos nenhum outro recipiente.
Lembro-me que falávamos sobre todo tipo de assunto, desde filosofia a trabalho, de religião a espiritualidade, de futebol a carnaval, de óleo de oliva a vinho. Era um papo muito agradável, ainda mais que eles se alternavam na conversa. Cheguei a pensar que eram três irmãos, mas não quis me intrometer na vida deles e não perguntei o que faziam. Soube apenas os nomes, que eram poloneses e que conheci muito das suas ideias.
Quase em Santiago de Compostela, precisamente no Monte do Gozo, nos hospedamos naquele domingo de verão europeu, dia 29 de julho, meu aniversário; e lá estavam os três poloneses como vizinhos de quarto. No final da tarde, fui à capela para celebrar a data e participar de uma missa e qual não foi minha surpresa quando vi os três presidindo a missa. Eram padres!
Faço esse relato agora para refletir sobre o fato de que como não tinha a informação de que eles eram religiosos, não os reduzi a isso ou somente a isso. E, dessa forma, pude ter um contato verdadeiro com eles e eles comigo. Sim, verdadeiro porque não o reduzi a possível e imaginária batina, naqueles dias eu fui além. Mais: eles também tiveram a sensibilidade de deixar a ocasião os apresentar, bem ao contrário de mim que comecei o caminho me apresentando como empresário, só faltou eu fazer negócios naqueles primeiros dias. Não conseguia me desvincular de meu papel existencial. Provavelmente por não me ouvir, não ouvir meu corpo e por consequência desse apego, bolhas e mais bolhas e o caminho não entravam em mim. Quando senti, quando me escutei, entendi. Naqueles momentos em que eu me reduzira a um único papel existencial de homem de negócio não conseguia transcender. E quando, como que num piscar de olhos abandonei o papel existencial de empresário, passei a ser peregrino, amigo, pai, filho, estudioso e também empresário. As bolhas se foram e o caminho me permeou cada célula, cada molécula, cada átomo.
A grande lição que trago para minha existência cotidiana é que quando reduzimos o outro a sua profissão, ao seu manto, uniforme, batina, nós perdemos a pessoa.
Lembrando que isso é assim para mim hoje.
* Empresário, Especialista em Filosofia Clínica, Diretor Presidente da Anjo – www.betocolombo.com.br
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