Faltavam três dias para vencer o prazo de validade da minha Carteira Nacional de Habilitação quando fui ao Detran da minha cidade. Aqui, tive uma informação assaz preocupante pra mim: teria que ficar dois meses sem dirigir. Era a punição por ter passado o limite de velocidade em 50%, em Lages, isso lá em 2009.
Inicialmente vem a negação: “Mas é um engano!”. Quando me atenho aos detalhes, lembro que paguei uma multa alta naquele ano. Estava indo facilitar uma palestra no Hotel Fazenda do Sesc e, atrasado, pisei fundo. Não tem jeito, a lei tarda mas não falha, pois sai da gente e vem pra gente.
Depois da negação, vem a revolta. “Por que eu?”. Puxa, eu uso cinto de segurança bem antes da obrigatoriedade, paro na faixa de segurança, desvio de animais, nunca me envolvi em um acidente sério, enfim, sou um motorista cuidadoso. Por que eu? Só porque passei do limite em 50% do estipulado. Mas eles não entendem? Estava atrasado para a palestra!
Depois de falar com a simpática atendente, vem a pergunta: “O senhor quer entregar a carteira hoje, 14 de janeiro?” Ela continua: “ O senhor tem mais três dias para dirigir, depois a sua CNH vence”.
Aquelas duas frases reverberaram dentro de mim e me levaram para deslocamentos longos, principalmente para o futuro. “E agora, como vou trabalhar, como vou me deslocar, como vou viver se não posso dirigir?”, perguntava-me. Mais: Sempre ironizava as pessoas que não sabiam dirigir, pois, pra mim, eram pessoas que não queriam dirigir suas vidas. E agora, olha eu aqui, sabendo dirigir a vida e não podendo!
Depois da negação, da raiva, vem a consciência, volto pra sobriedade. Sem pestanejar, entrego de livre e espontânea vontade minha CNH a atendente e fico sabendo que teria que fazer um curso de direção defensiva para ter novamente a CNH legalizada, isso só após 14 de março.
Do Detran até minha casa, fui dirigindo, mesmo que ilegalmente. Preocupado e com todo cuidado, levei meu carro até minha garagem e, a partir daí, assumi um tempo sabático de repensar o meu modo de dirigir não só o automóvel, mas a minha existência. Eu que sempre fui proativo, realizador, que sempre me movimentei, indo onde queria ir, hoje já estou mais limitado. Vou onde posso ir a pé e quando minha companheira De Wotmeyer está disponível, pois, agora, ela está mais sobrecarregada.
Claro que não desejava passar por essa experiência, mas estou passando. E já que tenho que passar por ela, estou curtindo e fazendo disso um bonito aprendizado. Faço isso com a certeza de que cada vez mais a impunidade deixa de ser regra para ser exceção e esta, quiçá desapareça definitivamente num futuro brevíssimo.
* Psicólogo e escritor – www.oikos.org.br
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