Eu tinha oito anos quando ocorreu este fato. Era um tempo de liberdade, pureza, alegria verdadeira e espontaneidade. Foi tão marcante que o desdobramento com sua ressignificação só ocorreu há pouco tempo, a beira dos 50 anos.
Naquela época, sabia direitinho quando o Natal estava chegando, pois percebia a festa que as cigarras faziam anunciando aquele dia tão importante. Importante por diversos motivos: Natal, sem comentários, e por ser também meu aniversário.
Naquele ano estava fixo na ideia de pedir como presente uma camisa do Vasco da Gama. Provavelmente influenciado pelo meu avô Joaquim e pelo meu pai Martinho. Assim fiz.
Qual não foi minha surpresa quando no dia 25 de dezembro ganhei uma camiseta totalmente branca com uma serigrafia da logomarca do clube cruzmaltino em uma cor, a preta, no lado esquerdo do peito. Nas costas, o número 10 pintado de próprio punho pelo meu pai.
Na verdade a palavra não foi “surpresa”, mas decepção. Esperava uma camiseta oficial, como as que via nos jogos da televisão nos domingos à tarde. A camiseta durou muito, pois pouco usei, embora jamais relatasse esse episódio para meus progenitores.
Há pouco tempo, em uma dessas conversas em família, arrumei coragem e falei do fato para papai e mamãe. Ressignificado, disse que se fosse hoje, colocaria a camiseta em um quadro, não por causa do Vasco, pois hoje meu time é o Universo, mas pela obra do papai. Rimos da situação.
No Natal retrasado, não deu outra: papai e mamãe resgatam mais de 40 anos ao me presentear com uma camisa oficial do Vasco da Gama, mandada comprar direto da loja do clube no Rio de Janeiro pela mana Dorinha. E era também número 10, a do Roberto Dinamite.
Quando peguei o pacote já sabia do que se tratava. Fiquei emocionado e, na mesma hora, a vesti e assim passei o dia. Eu não cabia dentro de mim; não sei se pelo resgate, pelo presente que o menino esperava desde sempre. Não sei se pelo carinho e cuidado dos meus pais. Não sei se pela surpresa, mas receber aquela camisa do Vasco, mesmo que hoje eu não use nada de clube e nem de propaganda, foi um momento especial do Mhanoel adulto e cinquentão que acolheu o “Éu” menino, criança ainda.
No último domingo, enfim, depois de quase dois anos, arrumo forças para enfrentar o meu medo e vou caminhando seis quilômetros até a casa dos meus pais com a camiseta do Vasco. Sim, se o menino teria orgulho, o adulto tinha vergonha. “O que os outros vão dizer”?, pensava. “O Mhanoel com a camiseta do Vasco da Gama do Rio de Janeiro”? “Por que ele não usa a do Criciúma?”.
Quando percebi que estava preso a uma ideia egóicas do presente, relaxei, soltei. Orgulhosamente vesti a camiseta número 10 e fui caminhando, não somente como Mhanoel, mas também como “Éu”, meu apelido de infância. Na pista de caminhada da prefeitura de Criciúma encontro um velho conhecido que não via há tempo. E ele me interpela:
– “É o Maneca”?
– Sim, respondi. É o Maneca, o Mhanoel e o Éu.
E saí caminhando orgulhosamente de peito aberto, como, provavelmente, teria feito há 42 anos.
* Jornalista, jardineiro, psicólogo, escritor e peregrino – www.oikos.org.br
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O “Éu” ou o “Eu”?
Já era o “eu” desde sempre!
É isso, penso que a felicidade ainda é uma decisão, não vou analisar o caso, por que analisado já está! Mas essa narrativa me me reportou ao meu passado e vasculhei se há la atrás na minha infância algum episódio, parecido. Sim há muitos, muitos deles resolvidos la mesmo na época dos ocorridos. Outros os tenho que trazer pro agora, e refletir bastante até que compreenda cada detalhe por mim mesmo, e achar a moral de cada história, esse processo para mim é o acalento, da alma, a compreensão e que vem sempre depois são presentes inesperados que o universo nos dá! Gostei foi uma história boa demais…