Querido leitor, nosso tema hoje é sobre chaves. Tenho lido e pesquisado sobre o Talmud, o livro sagrado dos judeus, constantemente usado pelos rabinos. E é nele que li o diálogo entre dois judeus, Hanina e Yohanan, onde aquele doente é visitado por este que, segurando a sua mão, diz para melhorar, ao que Hanina levanta e sai caminhando. Dias depois é Hanina que visita Yohanan doente e faz o mesmo procedimento e o enfermo melhora. Questão: Yohanan não podia se levantar sozinho? Resposta: O prisioneiro não poderia libertar-se sozinho de sua prisão.
A prisão pode ser a ideia fixa e prolongada por algo, a raiva da separação que perdura por anos e não passa, a depressão após ser demitido do emprego, enfim, são situações reais, sérias para o indivíduo, mas que não tem um fim. Entra na prisão e dela não sai. Para isso, é necessário uma chave.
A chave, é verdade, em boa parte das vezes, pode ser acessada por intermédio de uma ponte feita por outra pessoa, recomenda-se um profissional: um filósofo clínico, um psicólogo. Como falei, o terapeuta é uma ponte, um mediador, um guru que ajuda ao outro retirar as vendas da prisão, mas quem verdadeiramente tem esse poder é a própria pessoa presa. Geralmente é assim.
Dito isso, como saber qual a chave certa? Para a Filosofia Clínica, recomenda-se usar como referência a singularidade de cada um, ou seja, o seu saber pessoal, a sua representação de mundo. Para isso, o norte sugerido é buscado na historicidade, ou seja, a história da pessoa, o que ela fez desde que nasceu até os dias atuais. Nesse caminho, algumas chaves são descobertas e com a formação em Filosofia Clínica conhecemos técnicas apuradas para esse procedimento.
Depois que entramos numa prisão, pode ser até uma gaiola de ouro, mas é gaiola, o passo seguinte é ter essa consciência. Sim, ter a consciência disso porque se o preso não achar que está preso ou até mesmo não querer se libertar, realmente fica difícil o processo.
Consciente do desafio que tem que enfrentar é momento de buscar as chaves. Recentemente fui visitar uma amiga em depressão e outros problemas de saúde. Bem informada, ela sempre gostou de conversar, coisa que não estava fazendo ultimamente. Decidi visita-la semanalmente e acertei com os familiares de fazer uma agenda de visitas de amigos e amigas, sem que ela soubesse. A única recomendação, nesse caso, foi de apenas ouvir, não agendar, não aconselhar. E como disse, uma vez por semana eu a visitava profissionalmente. Deu certo. Essa era a chave. Logo ela saiu da cama e deu voltas na quadra.
Em uma ocasião, o mestre Jesus se recolheu por três dias no seu túmulo em silêncio e, em outra, por 40 dias no deserto. Para alguns a chave é fazer uma viagem, ler um livro, ir a um restaurante, fazer uma caminhada, conversar, enfim, não há uma fórmula e nem um local para fazer cópia de chaves, para cada um é diferente.
Talvez, o mais importante é que estejamos despertos para quando entrarmos nas prisões. O passo seguinte é buscar ajuda para encontrarmos a chave, feito isso, é só virar o tambor, abrir a porta e voltar para onde nunca saímos. É assim como o mundo me parece hoje. E você, o que pensa sobre chaves da prisão?
* Empresário, Especialista em Filosofia Clínica, Presidente do Conselho da Anjo Tintas.
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